quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Asfalto fragmentado, economia em pedaços

Sem a BR-319, empresas de Rondônia ficam sem um importante meio para enviar sua produção, e o Amazonas fica desabastecido e com custo de vida alto


O Comércio 3 Irmãos, à margem da Travessia do Igapó-Açu, a cerca de 300 quilômetros de Manaus, está vazio. Uma balança mecânica instalada em uma viga não tem nenhum produto para ser pesado. A proprietária do comércio, dona Creuza de Assunção Correia, 47 anos, banha-se à margem do rio despreocupada. Ela vê na margem Sul a balsa aproximando-se vazia. Do lado norte, o mesmo movimento.

Esse cenário se repete há mais de 20 anos neste trecho da BR-319, desestimulando comércio e indústria devido à dificuldade de trânsito. Um cenário que a diligência da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado Federal, por meio de iniciativa do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), se propôs a mudar.Está iniciativa já conta com o apoio de mais de uma dezena de instituições que participaram da diligência, como as federações do Comércio, da Agricultura e da Indústria dos Estados de Rondônia e do Amazonas (Fecomércio, Facer, Fetagro, Fiero e Fieam), além do Sebrae e das cooperativas e associações rurais de Rondônia.

No mesmo dia em que a diligência da Comissão de Agricultura do Senado chegou a Manaus, representantes destas instituições se reuniram com o governador do Estado do Amazonas, Omar Aziz, e com o presidente do Conselho de Desenvolvimento Empresarial da Amazônia Legal (Codema), Raniery Araújo Coelho, para tratar de uma campanha permanente pela reconstrução da BR-319.

Os empresários dos dois Estados entendem que a reconstrução da BR-319 é parte fundamental dos planos de desenvolvimento sustentável da região. “O Estado do Amazonas teve a sua Zona Franca renovada por mais 50 anos e deve manter sua economia com a produção de máquinas e equipamentos eletrônicos, enquanto Rondônia precisa desta rodovia para poder fornecer alimentos para o mercado de Manaus, que tem 2,5 milhões de consumidores, de forma competiva”, salienta Rubens Nascimento, superintendente da Fecomércio-RO, que participou da diligência. Hoje, segundo Nascimento, Rondônia está perdendo esta disputa para estados do Sul e Sudeste.

Reunião do Conselho de Desenvolvimento Empresarial da Amazônia (Codema)
que encampou campanha pela reconstrução da BR-319
Desde os anos 90, quando a rodovia BR-319 foi praticamente destruída, com nacos de seu asfalto arrancados à máquina, que o percurso entre Porto Velho e Manaus se transformou em uma desventura. Se a diligência da CRA, composta por 22 veículos com tração nas quatro rodas, pneus preparados para lama e equipamentos de salvamento, passou por momentos difíceis e prejuízos, imagine o que pode acontecer com quem quisesse fazer o trajeto com periodicidade e com cargas frágeis ou perecíveis.

Dona Creuza tanto não ter clientes para seu comércio como também a ausência de turistas e de produtos vindos de Rondônia. “Depois que essa estrada parou isso aqui ficou muito ruim. Eu trabalho aqui há 30 anos e só vem piorando porque não tem mais a estrada”, reclama. “Eu tenho dez filhos, mas só seis vivem comigo”, explica Creuza, alegando dificuldades para manter a casa com seu comércio. “A gente se vira pra cá e se vira pra acolá, mas antes tirava muito bem daqui, tinha movimento de tudo, de turista, de caminhão, hoje não tem nada”, desabafa.

Dona Creuza de Assunção Correia, comerciante do Igapó-Açu, que espera reabertura da rodovia
De acordo com Salatiel Rodrigues, diretor estadual da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB-RO), que participou da diligência, a precariedade da rodovia é um entrave para a economia da região. "Hoje temos cooperativas que embarcam produtos no Porto de Porto Velho e levam 3 dias e 3 noites para chegar no comércio de Manaus. As cooperativas embarcam, por exemplo, tomate de Alto Alegre de Parecis, abacaxi e banana de União Bandeirantes”, declarou. De acordo com Rodrigues, se o tráfego de produtros fosse pela BR-319, as condições seriam diferentes. “Os caminhões poderiam sair de Porto Velho de manhã e chegar à tarde em Manaus, com produtos frescos e proveitosos. A perda chega a ser de 30% de frutas que amadurecem e apodrecem no caminho. Por isso a reconstrução da 319 é tão importante para o comércio de Rondônia”, detalhou.
Raudson Rodrigues, Marcito Pinto, Acir Gurgacz, Marcos Rogério, Zé Rover e Salatiel Rodrigues
Para José Merched Chaar, que é presidente da Federação dos Sindicatos e Organizações das Cooperativas da Região Norte, o estado atual da rodovia BR-319 é a causa de isolamento e questiona o risco para o meio ambiente no caso da reabertura da via. “Nossas cooperativas localizadas nos municípios do Sul do Amazonas dependem dessa estrada. Nós estamos isolados!”, explicou. De acordo com Chaar, como a rodovia já está aberta, não há perigo do meio ambiente ser agredido com a sua reabertura. “Essa estrada já existe e nós não somos loucos de querermos destruir o meio ambiente. A questão não é essa. A questão é política. Se tivermos a vontade determinada dos políticos e dos nossos povos, vamos conseguir esse objetivo e vamos nos unir de volta ao Brasil, o que não acontece hoje”, acrescentou.

Pontes precárias em todo percurso da BR-319
INVESTIMENTO - O presidente do Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias (Simpi) de Rondônia, Leonardo Sobral, não participou da diligência promovida pela Comissão do Senado, mas enviou o vice presidente, Luiz Carlos Kozerski. Apesar de não ter visto in loco a situação junto com os parlamentares, jornalistas e outras entidades, Sobral reconhece que o atual estado da rodovia emperra o desenvolvimento não apenas de Rondônia e do Amazonas, mas também de toda a região Norte do país. “Daqui de Rondônia para lá poderia ir muita produção, e no caminho contrário com certeza viriam turistas, consumidores. Se for considerar a economia de uma população de mais de 5 milhões de pessoas envolvidas, apenas nas principais cidades, é fácil chegar à conclusão de que o investimento para reformar a rodovia é irrisório”, destacou Sobral.

Para o empresário, que representa as micro e pequenas indústrias do Estado de Rondônia, caso seja aberto o trânsito para Manaus, as micro e pequenas indústrias de Rondônia terão muito a comemorar. “Manaus é a maior cidade da Amazônia, com mais de dois milhões de habitantes, na hora que abrir esse corredor para lá, será uma maravilha”, considera. De acordo com Sobral, Manaus tem uma produção industrial para consumo interno muito pequena, e por isso poderá absorver todo o excesso de produção de Rondônia, o que não acontece hoje por causa da falta de uma rodovia. “Hoje é preciso enviar a produção para lá via balsa, e isso é muito caro e complica demais a produção”, afirmou Sobral.

Leonardo Sobral, presidente do SIMPI-RO
O transporte via balsa é muito complicado. Tudo que é encaminhado para o transporte fluvial precisa aguardar que a balsa seja preenchida completamente, para sair somente depois. De acordo com o presidente do Simpi, é preciso produzir contando com um prazo que muitas vezes acaba atrasando, e isso se torna inviável para a produção de perecíveis, como os hortifrutingranjeiros. “Hoje produzimos muito mais orgânicos do que consumimos, mas isso não pode ir de balsa”, detalha Sobral. “Não posso comprar uma balsa, mas posso comprar um caminhão, e isso faz toda a diferença quando falamos da reabertura da BR-319”, finaliza o empresário.

O vice-presidente da Fiero, Adilson Popinhak, que também participou da diligência, disse que a abertura da rodovia será importante para todos os setores e também para a crescente indústria do Estado. “Hoje Rondônia produz de tudo e com essa rodovia vamos abrir mais uma rota de mercado, estendendo-se além de Manaus, chegando a Roraima, à Venezuela e com a saída para o Caribe”, detalhou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário